Exterogestação

Exterogestação

Teoria da exterogestação afirma que o recém-nascido, durante os três primeiros meses, continua se desenvolvendo como se estivesse na barriga da mae. Veja os cuidados indicados pelos pediatras para essa fase

texto ALINE GUEVARA

Que os recém-nascidos demandam muitos cuidados, todos sabemos. Mas, de acordo com a teoria da exterogestação, criada pelo antro-pólogo inglês Ashley Montagu, os primeiros 100 dias de um bebê requerem muito mais atenção do que os pais normalmente dão. Isso porque, conforme essa ideia, o primeiro trimestre de vida seria a extensão do desenvolvimento que começou na barriga da mãe.

O conceito parte do pressuposto de que os Homo sapiens adquiriram inteligência e cérebro de maior dimensão ao longo da evolução humana, então, o ser humano deveria nascer antes dos outros mamíferos, caso contrário o crescimento do cérebro impediria que a criança passasse pela pélvis da mãe no parto. “Por nascerem imaturos, antes que seu sistema nervoso central esteja completamente amadurecido, os seres humanos demorariam

mais tempo para andar em comparação ás demais espécies animais, sendo extremamente dependentes de cuidados”, comenta Giuliana de Freitas Fongaro, pediatra do sabará Hospital Infantil (SP). A ideia da exterogestação, portanto, é que o bebê continua sendo “gestado” fora do útero por 100 dias, até terminar seu desenvolvimento.

O responsável por popularizar a teoria foi o pediatra norte-americano Harvey Karp, que chama esse período de “quarto trimestre”. Profissionais que defendem o conceito afirmam que é preciso um zelo redobrado para que a criança consiga fazer essa transição entre a gestação e o mundo externo. “A proposta é que nos primeiros três meses de vida o bebê receba alguns cuidados que simulem um pouco da vida dentro do útero, para que ele se desenvolva melhor e mais tranquilo. O ideal é fazer uma transição lenta”, explica Giuliana.

Nos primeiros 100 dias o bebê necessita da simulação de situações que existiam dentro do útero. Mantê-lo em contato com a pele dos pais e um dos cuidados mais importantes.

Família

Assimilaçöes do útero

A proximidade com o corpo da mãe é um dos cuidados que permitem simular a vida dentro do útero. “Uma sugestão é usar um dispositivo, como por exemplo o sling [carregador de bebê confeccionado com tecido], que permite à mãe ou outra pessoa carregar o bebê num contato próximo do corpo, oferecendo uma mobilidade parecida com a sentida no interior do útero. Também possibilita ouvir os batimentos cardíacos do cuidador e o som da voz e estimula o olfato”, exemplifica Lilian dos Santos R Sadeck, neonatologista da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). “Todas essas sensações já vão ajudar no desenvolvimento do bebê”, conclui.

O ginecologista e obstetra Waldemar Carvalho (SP) reforça a importância dessa proximidade entre a criança e a mãe. “Na teoria prega-se muito a ideia de o neném ficar grudado no corpo da mãe, aproveitando o calor dela, pois ao nascer a criança tem os primeiros órgãos sensoriais se desenvolvendo com o ambiente externo. Por exemplo, ela conhece os pais pelo cheiro, pelo calor da pele, pelo gosto do leite, pela claridade, por sensações de visão e audição”, esclarece.

A força do aleitamento materno

Há quem diga que os bebês devem ser amamentados a cada três horas. Muitos especialistas são contrários a essa afirmação, e quando falamos em exterogestação é a amamentação em livre demanda que ganha espaço. Respeitar a vontade natural da criança e da mãe é fundamental nesses 100 primeiros dias.  “Amamentação em livre demanda significa dar o peito sempre que o bebê ou a mãe quiserem ou sentirem a necessidade”, define Giuliana. Ela explica que, por parte do bebê, os sinais de fome não se resumem a choro, que pode se manifestar por outros motivos — ou nem ocorrer — e, inclusive, é o último sinal que os pequenos dão quando estão com fome. “Para interpretar esses sinais, é preciso estar perto”, enfatiza a pediatra. Já por parte da mulher, a profissional orienta que, se ela sentir a mama muito cheia e dolorida, deve amamentar seu filho.

Dar colo ou deixar chorar ?

Ao nascer, o bebê sai de um ambiente confortável e seguro – o útero – e tem contato com o desconforto, a necessidade e a ausência. Ainda está entendendo o que ocorre ao seu redor, por isso o que o acalma é a conhecida voz dos pais, o colo, o aconchego. O choro é praticamente a única forma de comunicar o seu incômodo. “A mãe e o par ou cuidadores mais próximos são os guias para essa longa jornada da vida. Essa experiência é fundamental para desenvolver a sensação de segurança e confiança”, destaca Giuliana. “Orientações que levam a mãe a evitar oferecer colo ao seu filho quando ele chora ignoram o fato de que o ser humano é um ser social e que, através do colo, encontra acolhimento e, principalmente, reconhecimento: somos humanos, somos frágeis e todos precisamos de amor. Amor demais não estraga ninguém, a falta dele sim”, atesta a pediatra.

A médica acrescenta que os especialistas têm precisado desmitificar a ideia de que dar colo faz com que a criança fique mimada. “Estudos clínicos constataram que o colo é essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças, ao mesmo tempo que a falta dele pode causar distúrbios psíquicos, com consequências futuras na vida do ser humano”, alerta. “Isso porque a espécie humana é a única que precisa dessa interação física e emocional na primeira fase da vida. Nos primeiros momentos de vida, o bebê não reconhece o limite do seu próprio corpo, e será a partir do toque que isso se formará”, justifica.

Cuidados além

Segundo Lilian, os cuidados especiais deveriam ir além dos 100 primeiros dias: “A SPSP está trabalhando muito na importância dos 1.000 dias. Esse período engloba a gestação e os dois primeiros anos, que irão influenciar a qualidade de vida futura da criança.” Garantir nutrientes e estímulos adequados nesse período mais longo pode reduzir a mortalidade e danos ao desenvolvimento. De acordo com a SPSP, até doenças crônicas como diabetes e hipertensão poderiam ser evitadas.

A teoria defende a amamentação em livre demanda, ou seja,  que a mãe ofereça o peito sempre que ela ou o bebê quiserem ou sentirem necessidade.